A fibrose pulmonar idiopática afeta mais de 5 milhões de pessoas no mundo e até hoje não tem cura. Em junho de 2025, um novo medicamento criado por inteligência artificial deu esperança a esses pacientes: o Rentosertib.
Fibrose Pulmonar Idiopática (IPF)
A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença pulmonar crônica e progressiva, que faz com que os tecidos dos pulmões se tornem duros e espessos com o tempo, como se “cicatrizassem” internamente — sem causa conhecida (por isso o nome idiopática). Esse endurecimento impede que os pulmões funcionem bem: o oxigênio tem mais dificuldade de passar para o sangue, e a respiração se torna cada vez mais difícil.
Os sintomas geralmente começam de forma sutil, como falta de ar ao fazer esforço, tosse seca persistente e fadiga. Com o tempo, esses sinais pioram, levando a um declínio da qualidade de vida e, muitas vezes, à necessidade de oxigênio suplementar. A FPI costuma afetar adultos acima de 60 anos e, infelizmente, não tem cura conhecida — mas pode ser tratada para desacelerar sua progressão.
Função e desenvolvimento do rentosertib
O Rentosertib (INS018-055) age bloqueando uma proteína chamada TNIK (Traf2 and Nck-interacting kinase), que está envolvida em processos de inflamação, fibrose e proliferação celular — todos comuns na fibrose pulmonar idiopática (FPI).
Essa proteína TNIK participa de vias de sinalização celular, que ajudam a controlar o crescimento e a diferenciação das células. Em doenças como a FPI, essas vias ficam hiperativas, levando à formação excessiva de tecido cicatricial nos pulmões.
Ao inibir a TNIK, o Rentosertib ajuda a reduzir essa atividade desregulada, diminuindo a formação de fibrose e preservando melhor a função pulmonar. É como se o remédio “freasse” a cicatrização interna exagerada que sufoca os pulmões.
Linha do tempo: da escolha do alvo à otimização do composto
| Estágio | Composto | Publicação | Observação |
| Descoberta & Pré Clínica | INS018_055 | Mar 2024 (Nature) | Primeiro relato completo do composto |
| Fase I (ensaios em humanos) | INS018_055 | Mar 2024 | Dados de segurança e farmacocinética |
| Fase IIa | Rentosertib | Abr 2025 (Nature Medicine) | Nome genérico oficial, eficácia clínica |
Em março de 2024, um estudo publicado na Nature Biotechnology apresentou o INS018‑055 — primeira molécula contra fibrose inteiramente criada com auxílio de inteligência artificial, desde a escolha do alvo (proteína TNIK) até a estrutura química. Após resultados promissores em modelos animais e testes de segurança em voluntários saudáveis (Fase I), o composto avançou para um novo estágio.
Já sob o nome Rentosertib, o medicamento entrou na Fase IIa, com o objetivo de verificar sua eficácia e segurança em pacientes com fibrose pulmonar idiopática (IPF). O ensaio clínico, publicado em junho de 2025 na Nature Medicine, marca a primeira vez que uma molécula criada por IA desde o início demonstrou sinais de benefício direto em humanos com a doença.
Descoberta & Pré Clínica / Fase I (ensaio em humanos)
Metodologia
- Identificação do alvo (TNIK):
Usaram IA para analisar dados genéticos e biológicos, e descobrir que a proteína TNIK era uma boa candidata como alvo para tratar a fibrose. - Criação da molécula com IA:
Outra IA foi usada para projetar e otimizar a estrutura química de uma droga que bloqueia o TNIK — assim surgiu o composto INS018_055. - Testes em laboratório e animais:
A droga foi testada em células humanas e em modelos animais (ratos e camundongos) com diferentes tipos de fibrose (pulmonar, renal, hepática, cutânea). - Ensaios clínicos de fase I:
O composto foi testado em dois estudos com 78 voluntários saudáveis nos EUA e China para avaliar segurança e comportamento do corpo em relação ao remédio (farmacocinética).
Resultados principais
- O INS018_055 reduziu a fibrose de maneira significativa em diversos órgãos dos animais testados.
- Apresentou efeitos anti-inflamatórios adicionais.
- O medicamento funciona por via oral, inalatória ou tópica — o que facilita o uso.
- Nos testes com humanos, o composto foi bem tolerado, com bom perfil de segurança e comportamento previsível no organismo.
Conclusão
Este é o primeiro medicamento contra fibrose criado com ajuda de IA desde o início — desde escolher o alvo até criar e testar a molécula. Ele mostrou resultados promissores em animais e também foi seguro em humanos. Agora, o composto pode seguir para fases mais avançadas de testes clínicos.
Fase IIa
Metodologia
- Tipo de estudo:
- Ensaio clínico de fase IIa
- Randomizado, duplo-cego e controlado por placebo (nem pacientes nem médicos sabiam quem tomava o remédio ou placebo)
- Participantes:
- 71 pacientes com fibrose pulmonar idiopática (IPF)
- Idade média: 66 anos
- Realizado em 22 centros médicos na China
- Tratamentos testados:
- Rentosertib em três dosagens:
- 30 mg 1x/dia
- 30 mg 2x/dia
- 60 mg 1x/dia
- Comparado com grupo placebo (sem medicamento ativo)
- Rentosertib em três dosagens:
- Duração do estudo:
- 12 semanas de tratamento
Resultados principais
- Segurança:
- O medicamento foi bem tolerado, com poucos efeitos colaterais graves.
- A maioria dos efeitos colaterais foi leve ou moderada, como dores de cabeça ou náusea.
- Eficácia (melhora da função pulmonar):
- O grupo que tomou 60 mg 1x/dia teve melhora média de 98 mL na função pulmonar (FVC).
- Enquanto o grupo placebo perdeu 20 mL, ou seja, o pulmão piorou sem tratamento.
- Outros ganhos:
- Melhoras em respiração, tosse e capacidade de caminhada (6 minutos)
- Biomarcadores confirmaram que o medicamento estava realmente agindo no alvo (TNIK), como esperado
Conclusão
O rentosertib, primeiro medicamento contra fibrose pulmonar desenvolvido com ajuda de IA, foi seguro e mostrou sinais de que pode ajudar a melhorar a respiração e frear a progressão da doença. Os resultados são preliminares, mas promissores, e justificam a realização de estudos maiores e mais longos para confirmar os benefícios.
Quem está financiando o rentosertib
A empresa responsável pelo desenvolvimento e condução do estudo com rentosertib é a Insilico Medicine, uma biotech com sede em Boston e Hong Kong, especializada em descoberta de medicamentos por meio de inteligência artificial.
O estudo clínico e desenvolvimento do fármaco é totalmente financiado por ela, com apoio de investidores. Em março de 2025 ela captou US$ 110 milhões numa rodada de série E e, em junho de 2025, a rodada foi ampliada para US$ 123 milhões, com a entrada de novos interessados.
O que dizem os especialistas
Demis Hassabis, CEO da DeepMind, prevê que a IA poderá “curar todas as doenças em uma década”.
Fato é que esta afirmação veio daquele que, junto com John M. Jumper, foi laureado com o Prêmio Nobel de Química de 2024 por desenvolver o modelo de IA AlphaFold2, na DeepMind, que é capaz de prever a estrutura de 200 milhões de proteínas atualmente conhecidas.
Outro Nobel de Química, mas de 2013, Prof. Michael Levitt, também se mostrou otimista ao comentar sobre o rentosirbit: “Ver um alvo e uma molécula gerados por IA chegarem à Fase IIa com sinal de eficácia é extraordinário e marca uma nova era no desenvolvimento de fármacos.”.
Por sua vez, o chefe do estudo da Fase IIa, Prof. Zuojun Xu, também se mostrou empolgado quanto aos resultados, mas alertou que a fibrose pulmonar idiopática ainda é um desafio, e que precisa ser validado em coortes maiores.
Reflexão final
O desenvolvimento de novos fármacos com inteligência artificial deixou de ser futuro, já é o presente, e o rentosertib é apenas o primeiro. A Insilico Medicine está desenvolvendo mais de 30 ativos, em diferentes estágios de pesquisa, e 10 já com Investigational New Drug (IND). Ou seja, 10 destes ativos já foram autorizados por agências reguladoras para o início de testes em humanos.
A Deep Pharma Intelligence (DPI), empresa de análise estratégica e inteligência de mercado, divulgou um relatório em 2023, chamado “AI in Drug Discovery Q1 2023”. Segundo ele, naquele ano, existiam mais de 800 empresas de IA aplicadas à descoberta de fármacos, que a utilizam para diversas aplicações:
- Identificação de alvos terapêuticos;
- Descoberta e otimização de moléculas;
- Descoberta de novas aplicações terapêuticas para medicamentos já existentes;
- Design e automatização de experimentos pré-clínicos;
- Desenvolvimento de modelos personalizados para desenho de ensaios clínicos.
Entretanto, reconhece desafios importantes, como:
- Qualidade e disponibilidade de dados: a indústria necessita de grandes quantidades de dados confiáveis, mas sofre com informações fragmentadas e não integradas;
- Regulação: incertezas regulatórias geram risco e hesitação na adoção em larga escala.
- Falta de expertise técnica: faltam profissionais de IA em empresas da área e a integração entre equipes de P&D biomédica e engenheiros de IA ainda é limitada;
- Questões éticas e legais: viés algorítmico, transparência dos modelos, e a substituição dos humanos por IAs, também são desafios levantados.
📌 Por que essa história importa?
Segundo publicações da Insilico, do início do desenvolvimento da rentosertib até a aprovação para o uso em humanos, levou de 12 a 18 meses. Em desenvolvimentos sem IA envolvida, esta mesma etapa leva de 2,5 a 4 anos.
E isso é corroborado pelo relatório da DPI, que critica a ineficiência da indústria farmacêutica, e chama atenção para o fato de, no modo padrão, um novo medicamento levar mais de 10 anos para ser aprovado, com um custo de cerca de US$ 2,6 bilhões.
O gráfico abaixo demonstra esta ineficácia, uma vez que o desenvolvimento inicia-se com 5 milhões de compostos e, após cerca de dez anos e bilhões de dólares gastos, apenas uma droga é aprovada.

Por isso, soluções como IA e automação têm se tornado essenciais para otimizar desde a triagem inicial até a previsão de sucesso clínico.
🔎 REFERÊNCIAS
📄 Artigos científicos e publicações técnicas
- Ren, F. et al. (2024). Discovery of INS018‑055 for fibrotic diseases using AI-based drug design. Nature Biotechnology, mar. 2024.
- Insilico Medicine (2025). Phase IIa clinical results for Rentosertib in idiopathic pulmonary fibrosis (IPF). Nature Medicine, 3 jun. 2025.
- Deep Pharma Intelligence (2023). AI in Drug Discovery – Q1 2023 Report.
📰 Imprensa e mídia especializada
- Tallent, A. (2025). Investigational IPF Therapy Developed Using AI. MedCentral, 23 maio 2025.
- G1 – Saúde. IA vai mesmo curar todas as doenças dentro de dez anos?.
- PR Newswire. Insilico Medicine Reports Positive Phase IIa Results for AI-Designed Drug.
- EurekAlert!. Insilico announces Nature Medicine publication of Phase IIa results.
🧪 Fontes institucionais e educacionais
- American Lung Association. Idiopathic Pulmonary Fibrosis (IPF).
- Wikipedia. Insilico Medicine – empresa de biotecnologia.
💰 Informes financeiros
MedPath News. Insilico Medicine secures $123 million Series E funding to advance AI-driven drug discovery pipeline. 3 jun. 2025.
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— 🧠 **Por Gustavo Giannella, para o Neural Saúde** Biomédico especialista em diagnóstico por imagem e inteligência artificial aplicada à saúde. Editor do portal NeuralSaude.com.br, dedicado a mapear e explicar como a IA está transformando a medicina no Brasil. 📩 Quer acompanhar as novidades? Siga o [Instagram @neural.saude] ou visite o site [www.neuralsaude.com.br] —



