RAG na saúde: IA confiável, sem alucinações, explicada com casos reais

A inteligência artificial na saúde está avançando rápido — mas junto com os benefícios, surgem riscos sérios: alucinações, respostas imprecisas e decisões clínicas potencialmente perigosas. Para enfrentar esse desafio, ganha destaque o RAG (Retrieval-Augmented Generation), uma técnica que torna os sistemas de IA mais seguros, rastreáveis e baseados em evidência.

Diferente de modelos que apenas “lembram” o que foi treinado, o RAG busca informações confiáveis em tempo real, como diretrizes clínicas e artigos científicos, e gera respostas contextualizadas com base nesses dados.

Neste artigo, você vai entender como o RAG funciona na prática, por que ele reduz alucinações em IA médica e como hospitais e startups já estão usando essa tecnologia para apoiar decisões clínicas com mais confiança.

Funcionamento do RAG na prática

Vamos simular o caso de um hospital universitário que queira oferecer uma ferramenta para médicos e residentes realizarem pesquisas clínicas com apoio de IA, baseada em diretrizes, artigos científicos e protocolos internos.

Etapa 1 – Indexação de fontes confiáveis

O hospital reúne e prepara os documentos que servirão como base do conhecimento:

  • Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), American Heart Association (AHA), Organização Mundial da Saúde (OMS)…;
  • Artigos científicos validados (PubMed, SciELO, NEJM…);
  • Protocolos institucionais e manuais internos;
  • Dados públicos de estudos clínicos.

Esses textos são convertidos em “embeddings”, que são vetores matemáticos que representam o conteúdo semântico. E são armazenados nos chamados bancos vetoriais, que serão os repositórios dos documentos.

Etapa 2 – Recuperação semântica de informações relevantes

O médico acessa a ferramenta de IA integrada ao prontuário ou suporte de apoio clínico, e pergunta, por exemplo: “Há evidências de que metformina reduz risco cardiovascular em pacientes diabéticos acima de 65 anos?”.

  • O sistema também transforma essa pergunta em um embedding;
  • Faz uma busca vetorial no banco de dados;
  • Recupera, nos documentos anexados, os trechos, relacionados à pergunta do usuário, mais relevantes, como:
    • Trecho de uma diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD);
    • Resumo de um estudo de coorte da revista científica The Lancet;
    • E nota de um protocolo institucional do próprio hospital.

Todo o conteúdo vem do material indexado, o que reduz risco de alucinação factual.

Mas isto ainda não é a resposta. A resposta será gerada na próxima etapa.

Etapa 3 – Geração da resposta com base nas evidências encontradas

O modelo de linguagem (como GPT-4, Claude, LLaMA, etc.) recebe:

  • A pergunta original;
  • Os trechos mais relevantes como contexto (em prompt).

E então a resposta, natural, coesa e referenciada, é gerada, como:

“Sim, há evidências de que a metformina pode reduzir eventos cardiovasculares em idosos com DM2. Um estudo publicado no Lancet (2022) com 12 mil pacientes mostrou redução de 18% no risco relativo. A diretriz da ADA 2024 também recomenda seu uso como primeira linha nesse perfil de paciente.”

A resposta vem com citações clicáveis ou rastreáveis. E, então, o profissional tem acesso a um conteúdo clínico confiável, explicável e útil para a decisão médica.

Fluxograma das etapas do RAG

Exemplos de Uso

ChatEHR

  • Quem desenvolveu: desenvolvido internamente pela Stanford Medicine;
  • Onde está sendo utilizada: no Stanford Health Care, em fase piloto, por 33 médicos, enfermeiros e assistentes clínicos;
  • Pra quê serve: ferramenta de inteligência artificial generativa criada para permitir que médicos e profissionais de saúde interajam com prontuários eletrônicos (EHR) em linguagem natural;
  • Como o RAG é aplicado: ao receber uma pergunta, como “o paciente tem alergia?”, o sistema localiza trechos dos registros clínicos do paciente, e alimenta o modelo de linguagem. Assim, são geradas respostas rastreáveis, auditáveis e contextualizadas.

Para mais informações sobre a ferramenta, acesse Stanford Medicine.

IntelliDoctor.ai

  • Quem desenvolveu: desenvolvido por Roberto Shimizu (CEO e Chief AI Officer), Euclides Cavalcanti (Chief Medical Officer), e Braulio Bonoto (COO);
  • Onde está sendo utilizada: disponível globalmente mediante assinatura;
  • Pra quê serve: é um sistema de suporte à decisão clínica voltado a médicos e profissionais da saúde;
  • Como o RAG é aplicado: ao receber uma pergunta sobre doença, medicamento ou qualquer outro assunto da área médica, o sistema localiza trechos de bases acadêmicas públicas e privadas, e alimenta o modelo de linguagem. Assim, são geradas respostas embasadas e rastreáveis.

Para mais informações, acesse IntelliDoctor.ai.

Benefícios do RAG

Transparência e confiabilidade

Artigo publicado, em 5 de julho, na npj Digital Medicine, avaliou se a aplicação da técnica RAG pode melhorar o desempenho de um modelo de linguagem local leve (Llama 3.2‑11 B) em consultas radiológicas sobre agentes de contraste iodados. E os resultados demonstraram 0% de alucinação em modelos com RAG, contra 8% em modelos sem. E o modelo com RAG demonstrou também significativa melhora nas respostas.

Ou seja, menos alucinações, combinado com referências que são fornecidas ao gerar a resposta, oferece mais transparência e confiabilidade.

Atualização contínua, sem necessidade de retreinamento

Modelos pré-treinados necessitam que sejam adicionados mais dados à sua base de conhecimento. Ao utilizar RAG, o sistema recupera informações atualizadas de bases confiáveis e as insere no prompt, sem necessidade de retreinamento.

Privacidade e compliance

RAG pode rodar localmente, evitando envio de informações pessoais de saúde para a nuvem, e atendendo HIPAA/LGPD.

Menor custo

Realizar o retreinamento de um modelo pré-treinado, para mantê-lo atualizado, é um processo custoso e demorado, pois exige técnicas extensivas de etiquetagem e curadoria de dados, além de alto consumo de poder computacional. Em contraste, modelos com RAG permitem a incorporação de novos documentos e diretrizes diretamente na base de conhecimento, dispensando a necessidade de novo treinamento.

Limitações

Qualidade do repositório

Se os documentos estiverem desatualizados ou mal estruturados, o modelo poderá gerar respostas incompletas, despadronizadas e potencialmente incorretas. Por isso, é fundamental manter o repositório organizado e atualizado.

Maior latência

A utilização de modelos de linguagem com RAG aumenta a latência e pode degradar a experiência do usuário, embora algumas medidas possam minimizar este problema.

Técnica RAG em alta

Alguns fatores explicam o porquê do RAG estar tão em alta:

  • Alucinação virou assunto regulatório: órgãos reguladores cobram rastreabilidade, e empresas mais sensíveis à erros, como das áreas de finança e saúde, tem evitado utilizar inteligência artificial generativa por conta das alucinações;
  • Amazon Bedrock e outros serviços de nuvem simplificaram a integração: hoje é muito mais simples gerenciar um serviço de IA generativa. O Amazon Bedrock, plataforma da Amazon Web Services (AWS), por exemplo, oferece acesso a diversos modelos de LLMs, integra bancos vetoriais com ingestão automática de documentos, e sem expor dados ao modelo.
  • Casos clínicos de alto impacto: cases de sucesso, como o ChatEHR, tem chamado atenção de gestores, que demonstram mais interesse por este tipo de solução.

Acesse e acompanhe a explicação de outros termos relacionados à inteligência artificial, no nosso glossário de IA médica: Neural Explica!


📚 Referências

Sites Oficiais

Artigos Científicos

Reportagens e Conteúdo de Mídia

Postagens em Redes Sociais

— 🧠 **Por Gustavo Giannella, para o Neural Saúde** Biomédico especialista em diagnóstico por imagem e inteligência artificial aplicada à saúde. Editor do portal NeuralSaude.com.br, dedicado a mapear e explicar como a IA está transformando a medicina no Brasil. 📩 Quer acompanhar as novidades? Siga o [Instagram @neural.saude] ou visite o site [www.neuralsaude.com.br] —

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