Algoritmos preditivos na saúde utilizam inteligência artificial para analisar grandes volumes de dados clínicos — como sinais vitais, exames laboratoriais e histórico médico — a fim de antecipar riscos antes que eles se tornem emergências.
Na prática, isso significa prever eventos como infecções, complicações pós-operatórias ou falência de órgãos, permitindo uma intervenção médica mais rápida e eficaz. Combinando machine learning e dados hospitalares em tempo real, esses modelos estão ajudando médicos a salvar vidas, reduzir internações em UTI e otimizar recursos.
Neste artigo, você vai entender como funcionam os algoritmos preditivos, ver exemplos reais no Brasil e no mundo, conhecer seus desafios regulatórios e descobrir por que essa tecnologia está moldando o futuro da medicina.
O que são algoritmos preditivos?
Algoritmos preditivos são modelos matemáticos ou computacionais que analisam grandes volumes de dados para prever eventos futuros com base em padrões identificados no passado.
Na prática, eles “aprendem” com dados históricos para estimar a probabilidade de que algo aconteça — por exemplo, que um paciente desenvolva uma infecção, que volte a ser internado ou que não compareça à próxima consulta.
De forma simples, como os algoritmos preditivos funcionam?
- Entrada de dados: O algoritmo recebe dados anteriores (exames, idade, sintomas, histórico clínico etc.).
- Treinamento: Ele é treinado com milhares (ou milhões) de registros rotulados — por exemplo, casos em que houve ou não complicação.
- Padrões identificados: O algoritmo detecta correlações entre certas variáveis e os desfechos.
- Predição: Ao receber novos dados de um paciente, ele calcula a chance de determinado evento ocorrer.
Exemplos reais
No mundo
SPOT (Sepsis Prediction & Optimization of Therapy)
Local: Estados Unidos da América
Objetivo Clínico: identificar sepse ~6h antes dos métodos tradicionais e disparar alertas para a equipe.
Principais resultados: o SPOT já tem sido utilizado em larga escala no HCA Healthcare, uma das maiores redes privadas de hospitais do mundo, desde 2018.
Emprego atual: recentemente migrado para nuvem, agora está empregado em todo o sistema HCA Healthcare nos EUA + Reino Unido; em evolução para “SPOT 2.0”.
Situação regulatória: não possui autorização FDA ou CE (atua sob enquadramento de software de suporte clínico).
Epic Sepsis Model (ESM)
Local: Estados Unidos da América
Objetivo Clínico: gerar pontuação de risco de sepse dentro do prontuário Epic (tipo de prontuário) e acionar alertas.
Principais resultados: implantado em centenas de hospitais; validações externas encontraram desempenho modesto (AUROC ≈ 0,62 antes do diagnóstico clínico) e alertas tardios em parte dos casos.
Emprego atual: ativo em instituições que usam Epic, muitas das quais revisam parâmetros ou combinam o ESM com modelos locais.
Situação regulatória: ainda sem clearance FDA/CE; debate regulatório em curso.
AKI Model – DeepMind/Google Health
Local: Estados Unidos da América e Reino Unido
Objetivo Clínico: prever lesão renal aguda até 48h antes da manifestação clínica.
Principais resultados: Treinado em 700.000 internações da rede Veterans Health; AUC 0,88 na publicação original. Estudo independente (Univ. Michigan, 2023) reproduziu AUC 0,82 e mostrou necessidade de “fine-tuning” para reduzir viés de gênero. “FIne-tuning” se refere a um ajuste fino, treinar novamente o modelo para melhorar seu desempenho.
Emprego atual: ainda restrito a pesquisas clínicas, sem adoção ampla em produção.
Situação regulatória: Não possui aprovação FDA, nem CE; segue em fase de pesquisa acadêmica.
Outro exemplo de ferramenta preditiva, que fizemos artigo recentemente, é o Clairity Breast, a primeira IA preditiva para câncer de mama aprovada pela FDA.
No Brasil
Projeto Watcher
Local: Hospital Israelita Albert Einstein (Brasil)
Objetivo Clínico: detectar deterioração clínica em tempo real e reduzir em 50% as transferências tardias à UTI em até 24 meses.
Principais resultados: a Central de Monitoramento já zerou eventos anestésicos catastróficos e cortou 30% dos eventos adversos graves no centro cirúrgico; o piloto do Watcher, iniciado em abr/2024, foca em pacientes oncológicos.
Emprego atual: implementado no campus Morumbi; expansão planejada para outras alas até 2026.
Situação regulatória: trata-se de apoio clínico interno (CDS); não há registro na Anvisa até o momento.
Como os modelos preditivos se relacionam com a inteligência artificial (IA)?
Machine Learning (ML)
Imagine que pesquisadores querem desenvolver um modelo preditivo para detecção de sepse, como nos exemplos acima.
Eles coletam uma grande quantidade de dados, de pacientes que tiveram e que não tiveram sepse, como idade, pressão arterial, exames, histórico de doenças etc. E um modelo de machine learning, ou aprendizado de máquina, é treinado com esses dados. A IA, então, passa a detectar padrões ocultos, identificados a partir deste treinamento, capazes de prever a probabilidade de um evento futuro.
IA Adaptativa
Um dos grandes debates em torno deste modelo tem sido sua capacidade de adaptação. A medida que novos dados entram para o seu histórico, ela aprende e pode criar/detectar novos padrões. E essa possibilidade constante de mudança pode levar à alguns riscos:
- A IA pode aprender padrões errados, por erro de registro, por exemplo;
- Pode mudar de comportamento, que são chamados drifts, sem que os médicos percebam;
- Dificulta validação e aprovação regulatória, por não ser um modelo estático.
Desafios e Limitações dos Modelos Preditivos na Saúde
Apesar de todo o potencial, os modelos preditivos enfrentam barreiras importantes antes de se consolidarem na rotina hospitalar. Da regulação à prática clínica, os desafios são técnicos, éticos e estruturais.
1. Regulação ainda em construção
A FDA (EUA) e outras agências ainda estão definindo como regular algoritmos preditivos em saúde, especialmente os que aprendem continuamente, conforme explicado acima. Faltam:
- Diretrizes para validação contínua;
- Critérios objetivos de desempenho clínico;
- Protocolos claros de aprovação para softwares como dispositivos médicos.
O caso do Epic Sepsis Model, amplamente usado nos EUA, gerou críticas após um estudo independente revelar baixa acurácia e alertas tardios — sem transparência sobre o funcionamento interno do modelo (Wong et al., JAMA Intern Med, 2021).
2. Desafios na prática clínica
Mesmo quando tecnicamente viável, um modelo só gera impacto real se for bem integrado ao fluxo de trabalho médico:
- Alarmes excessivos podem causar fadiga e ser ignorados;
- Tempo de resposta lento neutraliza alertas precoces;
- Médicos podem desconfiar de decisões automatizadas, especialmente se a IA não for explicável.
Além disso, muitos hospitais ainda não têm prontuários eletrônicos compatíveis ou infraestrutura tecnológica para IA.
3. Limitações técnicas e científicas
Vieses e generalização
Modelos treinados com uma população podem não funcionar bem em outras realidades. Isso já foi observado em modelos de predição de lesão renal aguda (AKI), que precisaram ser ajustados para reduzir viés de gênero (DeepMind/Google Health, 2023).
Desatualização dos modelos
A medicina evolui — e modelos que não são recalibrados com frequência ficam ultrapassados, um fenômeno conhecido como data drift (mudança na distribuição estatística dos dados de entrada ao longo do tempo).
Falta de explicabilidade
Alguns algoritmos funcionam como “caixas-pretas”, dificultando a compreensão e a confiança por parte de médicos e comitês de ética.
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📚 Referências
Fontes nacionais
- CNN Brasil. Uso de dados e IA pode reduzir transferência de pacientes para UTI
- Anahp. Einstein investe em uso de dados e inteligência artificial para evitar agravamento de pacientes hospitalizados
Fontes institucionais / internacionais
- HCA Healthcare. Using Algorithm-Driven Technology to Detect Sepsis Early and Help Save 8,000 Lives
- HCA Healthcare Magazine. Revolutionizing Sepsis Care: Groundbreaking Research and Innovative Tools
- Ambient Clinical Analytics. Newly Released FDA Guidelines for Sepsis Detection & What it Means for Hospitals
Artigos científicos e validações externas
PubMed. External validation of the Epic sepsis predictive model in 2 county emergency departments
Link para PubMed
Wong A. et al. (2021). External Validation of a Widely Implemented Proprietary Sepsis Prediction Model in Hospitalized Patients.
JAMA Internal Medicine, 181(8):1065–1070.
DOI: 10.1001/jamainternmed.2021.2626
Univ. of Michigan (2023). An AI model predicting acute kidney injury works, but not without some tweaking.
Resumo disponível via TechTarget
Wynia M. et al. Epic Sepsis Model Predictions May Have Limited Clinical Utility.
TechTarget



