O uso da inteligência artificial (IA) na revisão de radiografias de tórax (CXR) para detecção de câncer de pulmão acelera o caminho para o diagnóstico e o tratamento. Uma vez que esta tecnologia faz uma triagem mais rápida dos casos que exigem mais atenção, e atua no diagnóstico como um “segundo par de olhos”, sua integração melhora a eficiência e a precisão dos processos clínicos.
Neste artigo vamos analisar e comparar três tecnologias: Annalise Enterprise CXR, validado para encontrar 124 achados clínicos relevantes; qXR, que se destaca pela alta capacidade de triagem; e Lunit INSIGHT CXR, que reduz em 36,2% a carga de trabalho dos radiologistas.
IA no Câncer de Pulmão: como está sendo integrado na prática clínica
Utilizando algoritmos de aprendizado profundo (deep learning), baseados em redes neurais convolucionais (CNNs), estas soluções de IA são treinadas com grandes dados de imagens de radiografias de tórax e relatórios radiológicos. E são capazes de realizar:
- Detecção de achados: identifica e marca regiões relacionadas à diversas anormalidades encontradas nas imagens;
- Classificação e triagem: classificam exames como “normais” ou “anormais”, que acelera a revisão pelo radiologista, quando necessário;
- Relatórios e notificações: seus resultados podem ser exibidos aos médicos via PACS (Picture Archiving and Communication System), e algumas soluções oferecem, até mesmo, relatórios pré-preenchidos.
Integração na prática clínica
- Trabalho em paralelo: estas soluções de IA trabalham em paralelo ao fluxo de trabalho padrão da instituição, levando à mudanças na rotina nos casos em que há interesse de gestores e profissionais na priorização de achados alertados pela IA;
- Conexão com sistemas existentes: são integradas à sistemas de gerenciamento clínico já instalados, como PACS e RIS (Radiology Information System), onde as radiografias de tórax são enviadas automaticamente para as soluções de IA, em formato DICOM;
- Calibração e otimização local: a ferramenta pode ser ajustada e calibrada, a fim de se adequar à capacidade clínica local e à experiência da equipe;
- Papel de suporte: todos os exames devem ser, em última instância, revisadas por um profissional qualificado, fazendo com que a IA tenha apenas um papel de suporte para as decisões.
Soluções de IA na interpretação de radiografias de tórax: situação regulatória e evidências clínicas
Annalise Enterprise CXR
Desenvolvido pela Annalise.ai, empresa sediada em Sydney, Austrália, a Annalise Enterprise CXR foi treinada em mais de 820.000 imagens de radiografias de tórax, e possui um alcance abrangente de achados, com 34 deles considerados prioritários.
Possui marca CE (Conformidade Europeia), como um dispositivo médico de classe IIb.

Estudo observacional com 2.972 radiografias de tórax
Publicado na revista BMJ Open, em dezembro de 2021, um estudo observacional teve como objetivo analisar o impacto do Annalise Enterprise CXR sobre os laudos dos radiologistas e os desfechos dos pacientes.
Onze radiologistas consultores integraram a solução em sua prática clínica entre novembro e dezembro de 2020. E analisaram, com assistência da IA, 2.972 radiografias, indicando se concordavam com os achados, e como isso afetava seu laudo e conduta.
Os pesquisadores mediram sensibilidade, especificidade e AUC (capacidade geral de discriminação).
Resultados
- Impacto nos laudos:
- 92 casos (3,1%) tiveram mudança significativa no laudo clínico;
- 43 casos (1,4%) resultaram em mudanças na gestão do paciente;
- 29 casos (1,0%) levaram a recomendações de investigação adicional por imagem.
- Concordância entre radiologistas e IA:
- 2.569 casos (86,5%) em plena concordância com a IA;
- 390 casos (13%) apresentaram achados rejeitados pelo radiologista;
- Apenas 16 achados (0,5% dos casos) foram considerados omissões da IA.
- Percepção dos radiologistas:
- 9 de cada 10 informaram que sua precisão melhorou com o uso da IA e ficaram mais positivos em relação à tecnologia após o estudo.
Conclusão
O estudo mostra que a integração do modelo Annalise Enterprise CXR no ambiente clínico real resultou em uma pequena porcentagem de mudanças impactantes nos laudos; melhorou a gestão clínica; demonstrou alto grau de concordância com os radiologistas; e foi bem visto pelos profissionais.
qXR
O qXR, treinado com mais de 4,4 milhões de imagens de radiografias de tórax, é capaz de identificar uma ampla gama de achados clínicos nos pulmões, pleura, mediastino, ossos, diafragma e coração. Foi desenvolvido pela empresa Qure.ai Technologies Private Limited, mais conhecida como Qure.ai, sediada em Mumbai, na Índia.
Também possui marca CE como um dispositivo médico de classe IIb, e possui um módulo separado, chamado qXR-LN, com clearance FDA 510(k) K231805.

Estudo retrospectivo avaliou a capacidade de triagem do qXR
AlJasmi et al., em 2024, publicou no European Journal of Radiology Open, um estudo retrospectivo que avaliou o qXR na classificação de radiografias de tórax como “normal” e “anormal”, em comparação com radiologistas.
A análise envolveu um volume substancial de 1.309.443 CXRs de 1.309.431 pacientes únicos, de 33 centros dos Emirados Árabes, entre janeiro de 2021 e junho de 2022.
Resultados
- Valor Preditivo Negativo (VPN) de 99,92%: um VPN alto, como é o caso, indica que, quando a IA classifica um exame como negativo (normal), há altíssima probabilidade de que esse exame esteja realmente normal;
- Valor Preditivo Positivo (VPP) de 5,06%: o VPP baixo indica que há muitos falsos positivos, o que é esperado devido à baixa prevalência da condição.
- Concordância geral entre IA e radiologistas foi de 72,90%
- Segundo 82% dos radiologistas, a IA melhorou a precisão diagnóstica.
Conclusão
Os autores concluem que o principal fator que sustenta a capacidade de triagem é um VPN alto, uma vez que um falso negativo é muito mais prejudicial do que um falso positivo, que ainda é revisado pelo radiologista. Portanto, o qXR, neste estudo especificamente, demonstrou ótima capacidade para triagem.
Lunit INSIGHT CXR
Desenvolvido pela Lunit Inc., com sede em Seul, Coreia do Sul, detecta dez achados radiológicos: atelectasia, calcificação, cardiomegalia, consolidação, fibrose, alargamento do mediastino, nódulo, pneumotórax, efusão pleural e pneumoperitônio.
Possui uma versão para triagem, denominada Lunit INSIGHT CXR Triage, que detecta efusão pleural e/ou pneumotórax.
Enquanto o Lunit INSIGHT CXR Triage recebeu a liberação 510(k) K211733 da FDA dos EUA, sendo classificada como um dispositivo médico de Classe II, o Lunit INSIGHT CXR também tem marca CE.
Avaliação retrospectiva e prospectiva do Lunit INSIGHT CXR
Publicado na revista Diagnostics, em 2023, um estudo, dividido em avaliação retrospectiva e avaliação prospectiva, demonstrou como fatores importantes podem influenciar diretamente nos resultados da prática clínica de uma solução de IA.
Resultados
| Métrica Geral | Resultado – Avaliação Retrospectiva | Resultado – Avaliação Prospectiva |
| Seleção de casos | Casos de referência foram selecionados, sabendo-se da capacidade da IA | Para fins de pesquisa, processou 4.752 estudos CXR consecutivos |
| Área Sob a Curva ROC (AUC) da IA | 0,94 | 0,84 |
| Sensibilidade da IA | 0,90 | 0,77 |
| Especificidade da IA | 0,89 | 0,81 |
Conclusão
Alguns fatores foram levantados pelos pesquisadores como responsáveis por esta significativa diferença entre as duas categorias, dentre elas:
- Uso de casos de referência na avaliação retrospectiva: ao selecionar casos manualmente, onde já se sabe das reais capacidades da IA, evita-se exames com defeitos técnicos que são comuns na prática de rotina, favorecendo os resultados por parte da IA;
- Grande número de falsos positivos: como já vimos, o achado de falsos positivos é comum para este tipo de solução de IA, e os autores associaram este fator à menor precisão na avaliação prospectiva;
- O algoritmo considera apenas dez achados radiológicos: a versão avaliada no estudo não considera achados importantes, como fraturas, hernias de hiato, enfisema, placas pleurais, e outros.
- Pandemia de COVID-19: os autores também destacam que os resultados podem ter sido influenciados pela pandemia, uma vez que pneumonia viral com infiltrados pulmonares não estava disponível entre os achados radiológicos detectados pela IA.
Benefícios da integração de soluções de IA para radiografias de tórax na prática clínica
- Redução da carga de trabalho: ocorre devido à alta capacidade de triagem e priorização de exames que requerem mais atenção. Estudos demonstraram que o Lunit INSIGHT CXR reduz 36,2% na carga de trabalho, e o qXR, 15%;
- Melhora na precisão diagnóstica: algumas soluções foram desenvolvidas para encontrar múltiplos achados radiológicos, e muitos estudos demonstraram que melhoram a acurácia de classificação de radiologistas;
- Detecção precoce: o diagnóstico mais rápido, através do alerta fornecido para priorização de exames, favorece o início de um tratamento, também, mais rápido, o que é fundamental para algumas condições;
- Apoio em cenários de escassez de pessoal: o gerenciamento de grandes volumes de exames é uma característica importante destas soluções, o que alivia a sobrecarga em cenários de escassez.
IA em CXR: Limitações e Desafios
- Custo: alguns trabalhos demonstram que a integração destas soluções na prática clínica pode ser mais cara do que o fluxo de trabalho radiológico padrão, e é compensado apenas parcialmente pelos benefícios;
- Generalização e viés de dados: assim como outras soluções de IA, os dados de treinamento podem não representar populações diversas, e alguns estudos demonstraram desempenho inferior quando aplicadas a casos reais;
- Precisão e erros: embora falsos positivos não sejam tão prejudiciais quanto falsos negativos, seu número elevado aumenta a carga de trabalho dos radiologistas, na revisão dos resultados;
- Limitações técnicas e de dados: algumas soluções são desenvolvidas apenas para projeções frontais, não laterais, limitando a detecção de patologias. E a qualidade da imagem também afeta o desempenho das IAs;
- Necessidade de pesquisa contínua: mais estudos prospectivos devem ser realizados para validar a eficácia e segurança destas soluções.
🩺 Conclusão: Qual IA para radiografia de tórax se destaca na prática clínica?
A análise comparativa entre Annalise CXR, qXR e Lunit INSIGHT CXR mostra que todas as soluções oferecem ganhos clínicos reais, mas com forças distintas dependendo do cenário hospitalar:
- Annalise Enterprise CXR se destaca pela abrangência diagnóstica (124 achados) e alta concordância com radiologistas, sendo ideal para instituições que buscam apoio clínico mais completo.
- qXR demonstra excelente performance em triagem de grandes volumes, com VPN de 99,92%, sendo altamente eficaz para redução da carga de trabalho e priorização de exames.
- Lunit INSIGHT CXR, por sua vez, é mais limitado em escopo (10 achados), mas oferece bom desempenho em detecção de anormalidades críticas, sendo útil em fluxos mais enxutos.
Para hospitais, clínicas e serviços de diagnóstico por imagem, a escolha da melhor IA para raio-X de tórax depende de fatores como: volume de exames, necessidades clínicas, integração com PACS/RIS e objetivos institucionais (triagem vs. suporte diagnóstico).
🔎 Dica prática: Avaliar estudos clínicos, verificar certificações regulatórias (CE, FDA) e realizar testes-piloto são passos fundamentais para uma decisão baseada em evidência.
Referências sobre Inteligência Artificial aplicada a Radiografias de Tórax (CXR)
- Qure.ai – Página oficial do qXR
- Qure.ai – Site oficial
- Regulação e privacidade – Qure.ai
- qXR recebe autorização FDA 510(k)
- Estudo de produtividade com Annalise CXR
- Annalise Enterprise CXR – Página oficial
- Lunit INSIGHT CXR – Página oficial
- Lunit CXR Triage – Página do produto
- NHS UK – Resultados acelerados com IA em CXR
- Hospital de Leicester adota IA para CXR
- UHL – IA ativa para detecção precoce de câncer
- IA para CXR nos hospitais de Leeds
- BMJ Open – Estudo observacional sobre Annalise CXR
- European Journal of Radiology Open – Avaliação do qXR
- Diagnostics – Avaliação do Lunit CXR
- PubMed – Estudo sobre triagem automatizada
- PubMed – Aplicações clínicas da IA em CXR
- PubMed – Eficiência diagnóstica com IA
- PubMed – Desempenho da IA em radiologia
- PubMed – Comparação entre IAs para CXR
- PubMed – Estudo clínico sobre Lunit
- PubMed – Revisão sistemática de IA em CXR
- Relatório técnico – Avaliação de IA para CXR (SHTG)
- PLOS Digital Health – IA em radiologia pulmonar
- NPJ Digital Medicine (Nature) – Estudo sobre IA diagnóstica
- Vídeo: Aplicação clínica do Lunit CXR
- FDA – qXR-LN (clearance 510(k) K231805)
- FDA – Lunit INSIGHT CXR Triage (510(k) K211733)
Perguntas Frequentes sobre IA em Radiografia de Tórax (CXR)
Qual a melhor IA para radiografia de tórax: Annalise, qXR ou Lunit?
Depende do objetivo clínico. O Annalise CXR tem maior abrangência de achados (124), ideal para suporte diagnóstico detalhado. O qXR se destaca pela triagem em larga escala, com VPN de 99,92%. Já o Lunit INSIGHT CXR é mais simples, porém eficaz na detecção de anormalidades críticas como pneumotórax e efusão pleural.
O uso de IA em raio-X de tórax substitui o radiologista?
Não. As soluções de IA atuam como suporte à decisão, oferecendo uma segunda leitura e ajudando na triagem. A interpretação final deve ser feita por um profissional qualificado.
Qual IA para CXR tem maior aprovação regulatória?
Todas as três possuem certificação CE para uso clínico na Europa. Além disso, o qXR e o Lunit INSIGHT CXR Triage têm liberação da FDA (EUA) como dispositivos médicos de Classe II.
Como a IA melhora a detecção de câncer de pulmão?
A IA permite a triagem automatizada de grandes volumes de exames e destaca achados suspeitos com rapidez. Isso acelera o diagnóstico precoce e prioriza exames críticos para revisão médica, essencial no caso do câncer de pulmão.
Quais os desafios do uso de IA em radiologia?
Os principais desafios incluem custos de implementação, generalização para diferentes populações, risco de falsos positivos e a necessidade de integração com sistemas clínicos existentes como PACS e RIS.
Essas soluções funcionam com qualquer imagem de tórax?
Nem sempre. Algumas IAs foram desenvolvidas apenas para projeções frontais (PA/AP) e podem ter desempenho inferior em imagens laterais ou com baixa qualidade técnica.
Recentemente publiquei um artigo sobre o AVIEW LCS Plus, IA que atua em tomografias computadorizadas de baixa dose do tórax, para detecção de nódulos, enfisema e calcio coronariano. Clique aqui e leia.
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— 🧠 **Por Gustavo Giannella, para o Neural Saúde** Biomédico especialista em diagnóstico por imagem e inteligência artificial aplicada à saúde. Editor do portal NeuralSaude.com.br, dedicado a mapear e explicar como a IA está transformando a medicina no Brasil. 📩 Quer acompanhar as novidades? Siga o [Instagram @neuralsaude] ou visite o site [www.neuralsaude.com.br] —



