Identificar precocemente a Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo (DSVE) é desafiador por ser uma condição assintomática no início, e não ser detectável em eletrocardiogramas (ECGs) tradicionais.
Entretanto, a inteligência artificial (IA) tem transformado a cardiologia através de soluções que, quando integradas aos ECGs tradicionais, são capazes de identificar a DSVE, e outras condições cardíacas, mesmo que ainda não haja sintomas.
Neste artigo iremos analisar a ECG-AI LEF, inteligência artificial da Anumana, aprovada pela Food And Drugs Administration (FDA), que prevê o risco da condição.
Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo (DSVE) e a Inteligência Artificial (IA)
DSVE e Fração de Ejeção (FE)
A DSVE é uma condição cardíaca grave caracterizada pela redução da capacidade do ventrículo esquerdo do coração de bombear sangue de forma eficaz para o corpo. Geralmente, quando a Fração de Ejeção (FE), medida da porcentagem de sangue que o ventrículo esquerdo bombeia a cada batimento, é ≤ 40%, caracteriza-se DSVE.
Esta é uma condição associada a aumento significativo da morbidade e mortalidade cardiovascular, e sua detecção precoce está diretamente relacionada ao sucesso do tratamento, uma vez que os medicamentos podem melhorar a fração de ejeção, atrasar o desenvolvimento da insuficiência cardíaca sintomática e reduzir taxas de hospitalização, e mortalidade.
Para diagnosticar a DSVE usa-se o ecocardiograma (TTE – ecocardiograma transtorácico), considerado padrão-ouro para o cálculo da fração de ejeção. Já o ECG tradicional, mesmo quando normal, não descarta a presença da condição, que atinge aproximadamente 1,4% a 2,2% da população geral. Por isso, o eletrocardiograma, sem uso da IA, não é capaz de diagnosticar precocemente a disfunção.
ECG-AI LEF: Inteligência artificial aplicada ao ECG para detecção de DSVE
A IA da Anumana, ECG-AI LEF, age justamente na Fração de Ejeção, uma vez que LEF se refere a Low Ejection Fraction, em português, Fração de Ejeção Reduzida. Mas a inteligência artificial não fornece diretamente a porcentagem de sangue bombeado pelo ventrículo, mas sim uma probabilidade de que essa fração de ejeção esteja abaixo do limite.
Uma vez que o sistema identifica a presença da condição, emite um alerta ou recomendação para que o clínico considere solicitar um ecocardiograma para confirmação.
Por ser um Software como Dispositivo Médico (SaMD), o ECG-AI LEF pode ser incorporado ao sistema de prontuário eletrônico (EHR) para gerar automaticamente um relatório de triagem cada vez que um ECG é realizado, e emitir o alerta, caso necessário.
ECG-AI LEF aplicado ao fluxo clínico
- Aquisição do ECG: Um ECG padrão de 12 derivações (geralmente com 10 segundos de duração) é realizado em pacientes;
- Envio e Processamento: Os dados digitais do ECG são extraídos do sistema de gerenciamento de ECG, e enviados como entrada para o algoritmo de IA. Este processo pode ocorrer automaticamente;
- Geração da Predição: O algoritmo de IA processa o ECG e gera uma probabilidade de DVE/baixa FE, além de outras previsões como idade e sexo;
- Relatório e Alerta: O relatório detalha o resultado da triagem da IA (positivo ou negativo) e, se positivo, recomenda “considerar a solicitação de um ecocardiograma”, sendo exibidos por softwares em smartphones, tablets ou PCs, ou impressos em relatórios off-line;
- Ação Clínica e Tomada de Decisão: O sistema é uma ferramenta de auxílio à triagem, não de decisão final sobre diagnóstico e tratamento, que fica a cargo da equipe médica.

ECG-AI LEF: arquitetura técnica
| ECG-AI LEF | INFORMAÇÃO |
| Tipo de entrada | ECGs padrão de 12 derivações (geralmente com 10 segundos de duração) |
| Arquitetura do modelo | Rede Neural Convolucional (CNN) |
| Base de dados | 93.722 pacientes do Mayo Clinic, Estados Unidos, com ECG e ecocardiograma realizados em um intervalo de 2 semanas |
| Framework | TensorFlow (Google) |
| Saída | Probabilidade percentual de disfunção ventricular esquerda (DVE), apresentada como um número contínuo entre 0 e 1 (ou 0% a 100%) |
| Latência | Após o recebimento do ECG, em segundos, fornece o resultado em softwares de terceiros |
ECG-AI LEF: principais estudos e resultados
Estudo publicado na Nature Medicine, em 2019
Attia et al., publicou na Nature Medicine, em 2019, o estudo de desenvolvimento e teste do algoritmo, a fim de detectar DSVE em casos onde a FE é menor ou igual a 35%. Para isso, treinou a rede neural convolucional (CNN) com ECGs de 12 derivações e ecocardiogramas pareados do Mayo Clinic de 44.969 pacientes. E testou o modelo com 51.979 pacientes.
- Resultados:
- Área sob a Curva (AUC) de 0,93, o que significa que o modelo tem 93% de chance de classificar corretamente um caso positivo como mais provável do que um negativo, quando comparados em pares;
- Sensibilidade de 85%;
- Especificidade de 86%;
- Acurácia de 86% para detectar FEVE (Fração de Ejeção Ventricular Esquerda) de ≤ 35%;
- Pacientes com um resultado falso-positivo (AI-ECG anormal, mas FEVE normal) tiveram um risco cinco vezes maior de desenvolver baixa FEVE no futuro (incidência de 10,1% em 5 anos), sugerindo que a rede pode detectar anormalidades metabólicas ou estruturais subclínicas precoces que se manifestam no ECG.
Estudo publicado no Journal of Cardiovascular Eletrophysiology, em 2019
Outro estudo, desenvolvido por Attia et al., e publicado no Journal of Cardiovascular Eletrophysiology, em 2019, teve como objetivo validar o algoritmo com 8.600 indivíduos. E os resultados demonstrados foram similares ao estudo original.
Estudo publicado no International Journal of Cardiology, em 2021
Já em 2021, Attia et al., publicou no International Journal of Cardiology, uma validação externa do algoritmo em 4.277 adultos russos.
- Resultados:
- Área sob a Curva (AUC) de 0,82;
- Com o limiar original de 0,256:
- Sensibilidade foi de 26,9%;
- Especificidade de 97,4%;
- Acurácia de 97,0%;
- O estudo notou que limiares específicos para a população podem ser necessários para otimizar o desempenho do teste em populações com diferentes características.
Estudo publicado na Circulation, Arrhythmia and Electrophysiology, em 2020
Noseworthy et al. avaliou também se o desempenho do algoritmo varia de acordo com raça/etnia, em estudo publicado na Circulation, Arrhythmia and Electrophysiology, em 2020, com 97.829 pacientes,
E o algoritmo demonstrou desempenho consistente para detecção de baixa FEVE em uma ampla gama de subgrupos raciais/étnicos, apesar das características do ECG variarem por raça.
Estudos em outros cenários clínicos específicos
A literatura apresenta uma série de estudos sobre o algoritmo, em diversos cenários clínicos específicos, como a capacidade de reconhecer DSVE em pacientes com COVID-19, com Doença de Chagas, em gestantes e pós-parto, em ambientes de atenção primária, e diversos outros casos. Todos os artigos podem ser encontrados facilmente no site da Anumana.
Aprovação regulatória e adoção
| Autorização de Uso de Emergência (EUA) da FDA | Em 11 de maio de 2020, a FDA emitiu uma Autorização de Uso de Emergência para a aplicação do algoritmo de ECG-AI em pacientes com COVID-19. |
| Autorização 510(k) da FDA | Em 28 de setembro de 2023, o algoritmo recebeu a autorização 510(k) da FDA (Número K232699). |
| Integração | Sistemas de prontuário eletrônico, de gerenciamento de ECG, de ECG MUSE (GE Healthcare), e compatível com entradas de ECG de 12 derivações de diferentes fabricantes de equipamentos. |
| Uso na prática clínica | Já está sendo amplamente utilizado, principalmente nos EUA, onde todos os ECGs obtidos passam por avaliação algorítmica aprimorada por IA no Sistema de Saúde da Mayo Clinic. |
Vantagens e benefícios do uso da IA, como o ECG-AI LEF, na DSVE
- Detecção Precoce e Triagem Aprimorada: a detecção precoce de DSVE, particularmente em pacientes assintomáticos, é fundamental para reduzir o risco de mobilidade e mortalidade;
- Custo-Efetividade e Acessibilidade Massiva: o ECG é um exame barato, em muitos lugares já padronizado, indolor e que pode ser obtido rapidamente;
- Alta Precisão e Robustez: em validações clínicas, o algoritmo alcançou valores de AUC (área sob a curva) de 0.82 a 0.93 para detecção de FEVE reduzida;
- Integração e Fluxo de Trabalho Simplificado: o algoritmo é um Software como Dispositivo Médico (SaMD) que se integra diretamente a sistemas de Prontuário Eletrônico (EMR) e Sistemas de Gerenciamento de ECG (EMS);
- Melhora nos Resultados Clínicos e na Tomada de Decisão: clínicos que adotaram as recomendações do ECG-AI tiveram duas vezes mais probabilidade de diagnosticar baixa FE em seus pacientes.
Limitações da aplicação de IA, como o ECG-AI LEF, na detecção de DSVE
- Restrições de Uso e Natureza do Exame: o algoritmo não se destina a ser um dispositivo de diagnóstico autônomo, ele deve ser aplicado em conjunto com o julgamento clínico. E resultados negativos em pacientes de alto risco não devem excluir uma avaliação não invasiva adicional;
- Robustez do Modelo: embora o algoritmo seja robusto em relação à raça/etnia, há pequenas variações no desempenho, demonstradas na literatura, com base na idade, localização de gravação do ECG e características do ECG;
- Desempenho em Cenários Específicos: a sensibilidade se mostra baixa em alguns cenários, o que sugere ajuste de limiar para melhores resultados;
- Integração Clínica e Percepção do Usuário: há desafios na implementação de ferramentas de IA, pois as equipes de linha de frente frequentemente precisam resolver os desafios de integração por conta própria. E explicar o resultado, obtido através de IA, para um paciente é, muitas vezes, difícil;
- Viés e Generalização: embora o algoritmo tenha sido testado em diferentes grupos raciais e étnicos, sua aplicação em contextos clínicos mais amplos exige monitoramento contínuo, a fim de evitar que reproduza, ou até amplifique, disparidades raciais e étnicas existentes;
Conclusão
O ECG-AI LEF da Anumana representa um avanço significativo na triagem precoce da Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo (DSVE), especialmente em pacientes assintomáticos. Validado por estudos clínicos robustos e aprovado pela FDA, o algoritmo oferece alta acurácia e fácil integração ao fluxo clínico, aumentando a eficácia diagnóstica sem exigir novos equipamentos.
Ao combinar inteligência artificial com um exame já amplamente disponível e de baixo custo como o eletrocardiograma, o ECG-AI LEF amplia o acesso à medicina preventiva e personalizada. Apesar das limitações em cenários específicos, seus benefícios superam os desafios, especialmente quando integrado ao julgamento clínico.
Para instituições de saúde, clínicas e profissionais que buscam inovação com base em evidências, a adoção de soluções como o ECG-AI LEF pode significar diagnósticos mais precoces, redução de mortalidade e maior eficiência no cuidado ao paciente.
❓ FAQ – Perguntas Frequentes sobre o ECG-AI LEF
O que é o ECG-AI LEF da Anumana?
O ECG-AI LEF é um algoritmo de inteligência artificial desenvolvido pela Anumana que analisa eletrocardiogramas (ECGs) padrão para estimar a probabilidade de Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo (DSVE), mesmo em pacientes assintomáticos.
Como o ECG-AI LEF detecta a DSVE?
Utilizando uma rede neural convolucional treinada com ECGs e ecocardiogramas pareados, o algoritmo estima a chance de a fração de ejeção estar abaixo do normal e recomenda uma avaliação adicional com ecocardiograma quando necessário.
Qual é a acurácia do ECG-AI LEF?
Em estudos publicados, o algoritmo demonstrou acurácia de até 86%, com Área sob a Curva (AUC) entre 0,82 e 0,93, dependendo da população avaliada.
O ECG-AI LEF substitui o ecocardiograma?
Não. O ECG-AI LEF é uma ferramenta de triagem que sugere a possibilidade de disfunção ventricular. O diagnóstico definitivo ainda depende do ecocardiograma, considerado o padrão-ouro para avaliação da fração de ejeção.
O algoritmo do ECG-AI LEF é aprovado pela FDA?
Sim. O ECG-AI LEF recebeu Autorização de Uso de Emergência (EUA) em 2020 e, posteriormente, autorização definitiva via 510(k) em 2023 pela FDA, sendo validado para uso clínico.
Onde o ECG-AI LEF já está sendo usado?
O algoritmo já é amplamente utilizado nos Estados Unidos, especialmente no sistema de saúde da Mayo Clinic, onde todos os ECGs passam automaticamente pela triagem com IA.
📚 Referências
- Attia ZI, et al. Nature Medicine, 2019.
- ECG-AI for COVID-19 triage. Lancet Digital Health, 2022.
- AI-enabled ECG in primary care. The Lancet Regional Health – Europe, 2022.
- AI for Chagas disease cardiomyopathy detection. The Lancet Regional Health – Americas, 2022.
- Real-world validation of AI-ECG. JACC: Advances, 2024.
- FDA 510(k) Clearance – K232699.
- AI ECG to predict mortality. European Heart Journal – Digital Health, 2020.
- AI ECG in pregnancy. Circulation: Cardiovascular Imaging, 2022.
- AI ECG detects early cardiomyopathy. JACC: Cardiovascular Imaging, 2021.
- AI-enhanced screening in low-resource settings. Lancet Digital Health, 2021.
- Mobile AI ECG implementation. Mayo Clinic Proceedings Digital Health, 2024.
- ECG AI in Chagas disease. Journal of the American Heart Association, 2020.
- AI ECG in subclinical disease prediction. Circulation: Cardiovascular Quality and Outcomes, 2024.
- Original study on AI-ECG. Nature Medicine, 2019.
- AI ECG for left ventricular dysfunction. Journal of Cardiovascular Electrophysiology, 2019.
- Repeated listing — see item 9.
- External validation in Russia. International Journal of Cardiology, 2021.
- Racial/ethnic validation of AI ECG. Circulation: Arrhythmia and Electrophysiology, 2020.
- Latest update on ECG AI performance. Nature Medicine, 2024.
- Clinical utility of ECG AI. JAMA Cardiology, 2022.
- ECG AI for preclinical heart failure. European Heart Journal, 2021.
- Site oficial da Anumana – https://anumana.ai
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— 🧠 **Por Gustavo Giannella, para o Neural Saúde** Biomédico especialista em diagnóstico por imagem e inteligência artificial aplicada à saúde. Editor do portal NeuralSaude.com.br, dedicado a mapear e explicar como a IA está transformando a medicina no Brasil. 📩 Quer acompanhar as novidades? Siga o [Instagram @neuralsaude] ou visite o site [www.neuralsaude.com.br] —



