O que é Fine-Tuning? Como funciona o ajuste fino de modelos de IA na saúde

Fine-tuning, ou ajuste fino, é uma técnica essencial no desenvolvimento de modelos de inteligência artificial, especialmente em modelos de linguagem (LLMs) e redes neurais profundas. O processo consiste em pegar um modelo pré-treinado e adaptá-lo para uma tarefa ou domínio específico, como, por exemplo, aplicações médicas. Ao realizar o fine-tuning, o modelo aprende padrões mais específicos a partir de dados especializados, melhorando sua precisão, relevância e desempenho em contextos reais.

Essa abordagem é amplamente usada em IA na saúde, onde modelos gerais são ajustados com prontuários, protocolos clínicos e terminologias médicas, gerando soluções mais eficazes para diagnósticos, triagens, laudos e apoio à decisão clínica.

Exemplos de fine-tuning na área da saúde

BERT (Bidirectional Encoder Representations from Transformers)

É um modelo de inteligência artificial criado pelo Google em 2018, que foi pré-treinado em corpora, ou seja, conjunto de dados, de domínio geral (English Wikipedia e BooksCorpus), que entende a linguagem de forma parecida com os humanos, levando em conta o contexto completo de uma frase.

Ele foi um marco para o processamento de linguagem natural (PLN), porque, antigamente, os modelos de linguagem liam frases da direita para a esquerda, ou da esquerda para a direita. Ou seja, eram unidirecionais, e só conseguiam prever a próxima palavra, baseado no que foi dito anteriormente. Já o BERT foi criado com o conceito bidirecional, lê todo o contexto antes de prever a próxima sentença.

E, a partir de seu ajuste fino, pode-se criar modelos específicos para a área da saúde:

BioBERT (Bidirectional Encoder Representations from Transformers for Biomedical Text Mining)

Introduzido por Jinhyuk Lee e colaboradores (2019), é um modelo BERT pré-treinado em corpora biomédicos: PubMed abstracts e PubMed Central (PMC) full-text articles. Segundo os próprios autores, o fine-tuning do modelo BERT foi necessário, pois termos específicos de textos biomédicos geram resultados insatisfatórios em modelos gerais.

E os testes comprovaram que o BioBERT supera o BERT em uma variedade de tarefas de mineração de texto biomédico, e obtém pontuações mais altas em todos os conjuntos de dados biomédicos.

O BioBERT foi ajustado para realizar as seguintes tarefas:

  • Reconhecimento de Entidades Nomeadas (NER): Identifica substantivos próprios específicos do domínio, como nomes de doenças ou genes;
  • Extração de Relações (RE): Classifica as relações entre entidades nomeadas (por exemplo, relações gene-doença, droga-proteína, condição-sintoma);
  • Resposta a Perguntas (QA): O modelo responde a perguntas clínicas com base em passagens científicas do PubMed.

ClinicalBERT

Já o ClinicalBERT é um modelo BERT ajustado para notas clínicas, ou seja, para entender abreviações, jargões e estrutura gramatical incomum, presentes em textos clínicos inseridos no prontuário eletrônico (EHR). Assim, ele é capaz de descobrir insights clínicos e fazer previsões médicas, o que seria difícil para um modelo geral como o BERT, que não é pré-treinado com este tipo de dado. Foi desenvolvido por Kexin Huang, Jaan Altosaar e Rajesh Ranganath, e publicado em 2020.

O ClinicalBERT é pré-treinado em notas clínicas do conjunto de dados MIMIC-III (Medical Information Mart for Intensive Care III), que contém registros eletrônicos de saúde de mais de 58.000 internações hospitalares e mais de 2 milhões de notas desidentificadas.

Após o fine-tuning do BERT para o ClinicalBERT, você pode fazer um segundo ajuste fino para tarefas específicas, chamadas tarefas downstream. Um exemplo seria utiliza-lo na predição de readmissão hospitalar em trinta dias:

  • O modelo recebe e analisa as notas clínicas de um paciente;
  • A partir dessas informações, ele gera uma pontuação de risco;
  • Se o paciente tiver muitas anotações, o modelo lê por partes;
  • Por fim, ele combina os resultados dos trechos para gerar uma previsão final.
  • Por afetar a qualidade de vida dos pacientes e gerar custos significativos, essa é uma tarefa de importância clínica, uma vez que previsões precoces podem permitir intervenções.

Diferenças entre Fine-Tuning e RAG

A última edição do Neural Explica foi sobre o RAG (Retrieval-Augmented Generation), que é uma abordagem distinta, mas complementar, e possui a mesma finalidade: aprimorar o desempenho e a aplicabilidade de Large Language Models (LLMs) ou outros modelos de Processamento de Linguagem Natural (PLN).

Enquanto o Fine-Tuning re-treina um modelo pré-treinado em um conjunto de dados menor e mais focado, o RAG otimiza o modelo conectando-o a um banco de dados proprietário ou conhecimento externo de uma organização.

CaracterísticaFine-Tuning (Ajuste Fino)Retrieval-Augmented Generation (RAG)
Fonte do ConhecimentoParâmetros de interesse inseridos no modeloAcessa conhecimento de fonte externa
Atualização do ConhecimentoExige re-treinamento ou ajuste fino adicionalNão é necessário re-treinar o modelo, podendo ser atualizado ou expandido
Natureza dos Dados de TreinamentoGeralmente dados rotulados para tarefas específicasUtilizando dados internos, aumenta a engenharia de prompt
Custo Computacional de AtualizaçãoPara o ajuste fino completo de modelos grandes, pode ser intensivoMenos intensivo computacionalmente do que o Fine-Tuning
Tratamento de Alucinações / FactualidadeMelhora precisão, mas não aborda alucinaçãoReduz diretamente as alucinações
Principais Casos de UsoPode ser aprimorado para tarefas específicas e linguagem de um novo domínioPara tarefas onde fontes confiáveis e atualizadas sejam cruciais
Abordagem ArquitetônicaMuitas vezes necessita apenas de uma camada de saída ao modelo pré-treinadoMais complexo. Exige um retriever, recuperador de documentos, e um generator, gerador de resposta

Um artigo da IBM, que compara RAG e Fine-Tuning, faz uma analogia muito legal para melhor entendimento. Imagine um modelo de IA generativa como um cozinheiro amador, que conhece o básico da culinária. O RAG é como dar a ele um livro de receitas, que ele irá ler para fazer seus pratos. Já o Fine-Tuning seria dar a ele um curso de culinária, na qual ele irá internalizar o conhecimento e colocar em prática.

Vantagens do Fine-Tuning

  • Melhoria no desempenho e na precisão
    • Modelos ajustados via fine-tuning geralmente superam seus modelos base em tarefas específicas, oferecendo resultados mais precisos e relevantes.
  • Adaptação a domínios e contextos específicos
    • Com o fine-tuning, é possível ajustar um modelo pré-treinado para áreas muito especializadas, como medicina, direito ou finanças — inclusive para tarefas clínicas muito específicas, como predição de readmissão ou análise de risco.
  • Eficiência de dados (sample efficiency)
    • Mesmo com uma quantidade menor de dados rotulados, modelos fine-tunados podem igualar ou até superar modelos maiores e mais complexos, graças ao conhecimento prévio transferido do pré-treinamento.
  • Melhoria na generalização
    • O fine-tuning ajuda o modelo a acertar em dados novos que nunca viu antes, ao mesmo tempo em que reduz o risco de overfitting — que ocorre quando o modelo aprende excessivamente os detalhes do treino e falha ao generalizar para casos diferentes.
  • Menor necessidade de arquiteturas complexas
    • Como o fine-tuning exige apenas uma camada de saída adicional, ele não requer criar uma arquitetura nova para cada tarefa, reduzindo a necessidade de engenharia de features manual ou customizações sofisticadas.
  • Redução de problemas no treinamento
    • Além de evitar o overfitting, o fine-tuning pode ajudar a mitigar o esquecimento catastrófico (catastrophic forgetting) — quando um modelo treinado com novos dados perde o que havia aprendido anteriormente.
  • Eficiência computacional
    • Comparado ao treinamento do zero, o fine-tuning é mais rápido, mais barato e menos exigente em termos computacionais, sendo ideal para adaptar modelos a novas tarefas com menor custo.
  • Interpretabilidade (em alguns casos)
    • Modelos, como o ClinicalBERT, permitem visualizar os pesos de atenção, o que nos ajuda a identificar quais palavras ou trechos do texto influenciaram a decisão do modelo. Isso aumenta a transparência, a confiança e a auditabilidade da IA — qualidades essenciais na área da saúde.

Desvantagens do Fine-Tuning

  • Alto custo computacional
    • Embora mais barato que o pré-treinamento total, como vimos nas vantagens, o fine-tuning de grandes modelos demanda GPUs potentes, armazenamento rápido e conhecimento técnico, o que pode ser uma barreira para pequenos times ou orçamentos limitados.
  • Dependência de dados rotulados
    • Por ser um método de aprendizado supervisionado, requer um conjunto de dados de treinamento organizado e rotulado para a tarefa específica a qual está sendo treinado.
  • Necessidade de dados de domínio extensivos
    • Para alcançar o desempenho ideal, pode ser necessário pré-treinamento extensivo e dados suficientes específicos do domínio.
  • Generalização limitada entre contextos
    • Quando se tem um modelo ajustado para um domínio específico, como no caso de notas clínicas para uma instituição, pode não generalizar bem para diferentes instituições ou configurações devido à variabilidade dos dados, exigindo mais ajuste fino.
  • Alinhamento com valores humanos
    • Trabalho adicional significativo pode ser exigido para alinhar o modelo com as expectativas e valores humanos, principalmente quando se trata de domínios críticos para a segurança, como a medicina.

Conclusão

O fine-tuning tem se mostrado uma das técnicas mais eficazes para adaptar modelos de IA a contextos clínicos, oferecendo maior precisão, interpretabilidade e aplicabilidade em tarefas sensíveis como diagnósticos e previsões médicas. Ao contrário de abordagens genéricas, o ajuste fino permite que esses modelos absorvam as nuances da linguagem médica e se tornem verdadeiros aliados na tomada de decisão clínica.

Apesar dos desafios técnicos, os benefícios do fine-tuning na saúde — como redução de custos, ganho de eficiência e melhor atendimento ao paciente — colocam essa técnica no centro da transformação digital hospitalar.

Se você atua com dados clínicos, prontuários ou projetos de IA na saúde, considerar o uso de modelos ajustados pode ser o diferencial para alcançar resultados mais seguros, éticos e eficazes.

Referências

  1. IBM – RAG vs Fine-Tuning: entendendo as diferenças entre abordagens de IA
  2. Bengio et al. (2013) – Representation Learning: A Review and New Perspectives. arXiv:1311.2524
  3. Bahdanau et al. (2014) – Neural Machine Translation by Jointly Learning to Align and Translate. arXiv:1411.1792
  4. Vaswani et al. (2018) – Attention Is All You Need. arXiv:1801.06146
  5. Devlin et al. (2018) – BERT: Pre-training of Deep Bidirectional Transformers for Language Understanding. arXiv:1810.04805
  6. Lee et al. (2019) – BioBERT: A Pre-trained Biomedical Language Representation Model for Biomedical Text Mining. arXiv:1901.08746
  7. Alsentzer et al. (2019) – Publicly Available Clinical BERT Embeddings. arXiv:1904.05342
  8. Lewis et al. (2020) – Retrieval-Augmented Generation for Knowledge-Intensive NLP Tasks. arXiv:2005.11401
  9. Nature Medicine (2024) – Performance and utility of large language models in clinical settings

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— 🧠 **Por Gustavo Giannella, para o Neural Saúde** Biomédico especialista em diagnóstico por imagem e inteligência artificial aplicada à saúde. Editor do portal NeuralSaude.com.br, dedicado a mapear e explicar como a IA está transformando a medicina no Brasil. 📩 Quer acompanhar as novidades? Siga o [Instagram @neural.saude] ou visite o site [www.neuralsaude.com.br] —

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