Joy Milne: O Olfato que Revolucionou o Diagnóstico do Parkinson

Imagine descobrir uma doença grave apenas pelo cheiro. Parece ficção científica? Para Joy Milne, uma enfermeira escocesa aposentada, isso é realidade. Seu olfato aguçado não apenas detectou o Parkinson em seu marido anos antes do diagnóstico médico, mas também inspirou uma revolução na forma como a doença pode ser identificada precocemente.

O caso de Joy Milne catalisou o desenvolvimento de tecnologias baseadas em IA para diagnosticar a Doença de Parkinson (DP). Pesquisadores utilizaram seu talento único para identificar compostos químicos específicos no sebo — a oleosidade natural da pele — associados à doença. Com a ajuda de técnicas avançadas, como espectrometria de massa, foi possível criar um teste que analisa essas substâncias, permitindo um diagnóstico mais rápido e preciso.

Como tudo começou?

Em 2012, após anos intrigada com o odor distinto que percebia em seu marido e em outros pacientes com Parkinson, Joy Milne decidiu compartilhar sua observação com a comunidade científica. Durante um evento da Parkinson’s UK em Edimburgo, ela abordou o neurocientista Dr. Tilo Kunath, questionando por que o olfato não era utilizado no diagnóstico da doença. Inicialmente cético, Kunath ficou curioso e decidiu investigar a fundo essa possibilidade.

Para testar a habilidade de Joy, foi elaborado um experimento simples, mas revelador. Doze camisetas foram coletadas: seis usadas por pacientes diagnosticados com Parkinson e seis por indivíduos saudáveis. As camisetas foram codificadas e apresentadas a Joy de forma aleatória, sem qualquer informação prévia. Ela deveria identificar quais camisetas pertenciam a pacientes com a doença.

O resultado foi impressionante: Joy identificou corretamente todas as camisetas dos pacientes com Parkinson. No entanto, ela também apontou uma das camisetas do grupo controle (indivíduos saudáveis) como pertencente a alguém com a doença. Na época, isso foi considerado um erro. Contudo, oito meses depois, o homem que usou aquela camiseta foi diagnosticado com Parkinson, confirmando a precisão do olfato de Joy e sugerindo que ela foi capaz de detectar a doença antes mesmo dos sintomas clínicos se manifestarem .

Esse experimento não apenas validou a habilidade única de Joy, mas também abriu caminho para pesquisas sobre biomarcadores olfativos da doença. Cientistas passaram a investigar compostos presentes no sebo — a oleosidade natural da pele — que poderiam estar associados ao Parkinson. Estudos subsequentes identificaram alterações em compostos como eicosano, ácido hipúrico e octadecanal, que estão presentes em níveis diferentes em pacientes com a doença .

A colaboração entre Joy Milne e os pesquisadores resultou no desenvolvimento de um teste baseado em amostras de sebo, coletadas por meio de um simples cotonete passado na pele. Esse teste, ainda em fase de validação, promete ser uma ferramenta não invasiva, rápida e precisa para o diagnóstico precoce do Parkinson, podendo revolucionar a abordagem clínica da doença. Este teste ainda não possui um nome comercial, mas já há uma empresa, chamada SebOMIX, que pretende comercializar essa tecnologia.

O que dizem os estudos?

Pesquisas lideradas pela professora Perdita Barran identificaram cerca de 500 compostos únicos no sebo de pacientes com Parkinson. Esses biomarcadores foram analisados em laboratório, e os testes iniciais mostraram alta precisão.

Estudo publicado em Julho de 2025

Em 15 de julho de 2025, pesquisadores, incluindo Joy Milne e Perdita Barran, liderados por Caitlin Walton-Doyle, publicaram no npj Parkinson’s Disease, um estudo que teve como objetivo principal:

Investigar se compostos voláteis presentes no sebo da pele (volatiloma do sebo) podem ser usados para:

  • Distinguir indivíduos com Doença de Parkinson (DP) de controles saudáveis;
  • Identificar assinaturas moleculares em indivíduos com Transtorno Comportamental do Sono REM isolado (iRBD), um provável estágio prodrômico da DP;
  • Detectar marcadores de progressão da doença ao longo do tempo, por meio de amostras coletadas de participantes com DP em intervalos anuais.

Estágio podrômico refere-se ao período anterior ao aparecimento dos sintomas motores clássicos — como tremores, rigidez muscular e lentidão de movimentos — que caracterizam o diagnóstico clínico da DP. Ou seja, os pesquisadores incluíram o iRBD no estudo para investigar a detecção precoce da doença, uma vez que é um dos sintomas iniciais.

Metodologia

O estudo utilizou uma técnica chamada Cromatografia Gasosa com Espectrometria de Massas com Dessorção Térmica (TD GC-MS) para analisar compostos voláteis no sebo. Participaram:

  • 46 pacientes com DP;
  • 28 controles;
  • 9 com iRBD (confirmado por polissonografia).

Resultados

  • Foram identificadas características metabólicas específicas no sebo que diferenciam indivíduos com DP dos controles.
  • Indivíduos com iRBD mostraram um perfil intermediário, sugerindo possível progressão para DP.
  • A análise de amostras longitudinais de pacientes com DP revelou mudanças no volatiloma ao longo do tempo, indicando possíveis biomarcadores de progressão da doença.

Conclusão

O estudo demonstrou que o sebo contém compostos voláteis capazes de diferenciar entre DP, iRBD e controles saudáveis. Essa abordagem não invasiva pode contribuir para diagnósticos mais precoces e acompanhamento da progressão da DP.

Apesar dos avanços, ainda existem desafios a superar, o que sugere que a pesquisa ainda está em um estágio de desenvolvimento e validação antes de qualquer possível aplicação clínica generalizada.

Tendências e próximos passos

Trabalhos futuros se concentrarão na validação com um conjunto maior de amostras e na determinação de quais características associadas ao iRBD são mais específicas para a conversão a diferentes sinucleinopatias (como DP, Demência com Corpos de Lewy ou Atrofia de Múltiplos Sistemas).

O sucesso do teste baseado em sebo abre caminho para pesquisas semelhantes em outras doenças neurodegenerativas.

Além disso, há interesse em treinar cães para detectar o Parkinson pelo cheiro, aproveitando seu olfato apurado. A combinação de habilidades humanas, animais e tecnológicas promete transformar o diagnóstico de doenças no futuro. Em maio de 2025 publicamos uma notícia de cães que detectam o câncer em casa, com 94% de precisão. Para ler a matéria, clique aqui.

Conclusão

A história de Joy Milne destaca como habilidades únicas podem impulsionar avanços científicos. Seu olfato excepcional não apenas mudou sua vida, mas também a de milhões de pessoas ao redor do mundo. Com o desenvolvimento de testes mais precisos e acessíveis, estamos mais próximos de diagnosticar o Parkinson de forma rápida e eficaz.

FAQ

1. Quem é Joy Milne?
Uma enfermeira escocesa aposentada com olfato extremamente sensível, capaz de detectar o Parkinson pelo cheiro.

2. Como o olfato de Joy ajudou na ciência?
Ela colaborou com pesquisadores para identificar compostos no sebo associados ao Parkinson, levando ao desenvolvimento de um novo teste diagnóstico.

3. O que é o teste baseado em sebo?
Um exame que analisa a oleosidade da pele para detectar biomarcadores do Parkinson, permitindo diagnóstico precoce.

4. Quando o teste estará disponível?
Está em fase de validação, mas os resultados iniciais são promissores. Novos estudos ainda serão realizados antes de qualquer aplicação clínica.

5. Esse método pode ser usado para outras doenças?
Pesquisadores estão explorando a possibilidade de aplicar técnicas semelhantes para diagnosticar outras condições neurodegenerativas.

Referências

  • A Supersmeller Can Detect the Scent of Parkinson’s – Scientific American
  • ‘Super-smeller’ helps develop swab test for Parkinson’s disease – The Guardian
  • Scientists move closer to developing game-changing test to diagnose Parkinson’s – Parkinson’s UK
  • AI tool detects Parkinson’s up to 15 years early with 96% accuracy – Medical News Today
  • Non-invasive diagnostic tool for Parkinson’s disease by sebum RNA profile with machine learning – ResearchGate
  • A mulher que sentia cheiro do Parkinson – O Globo
  • Classification of Parkinson’s disease and isolated REM sleep behaviour disorder: delineating progression markers from the sebum volatilome – npj Parkinson’s Disease

Última Atualização: Julho de 2025

Acompanhe nossa seção Domingo Neural. Todo domingo, de forma leve e menos técnica, uma história cativante, um lançamento revolucionário, ou uma discussão importante para a adoção da IA na área da saúde.

— 🧠 **Por Gustavo Giannella, para o Neural Saúde** Biomédico especialista em diagnóstico por imagem e inteligência artificial aplicada à saúde. Editor do portal NeuralSaude.com.br, dedicado a mapear e explicar como a IA está transformando a medicina no Brasil. 📩 Quer acompanhar as novidades? Siga o [Instagram @neural.saude] ou visite o site [www.neuralsaude.com.br] —

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *